CARLIANE GOMES
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Quem caminhou pelos parques e ruas do Distrito Federal nos últimos dias pode ter se surpreendido ao ver ipês-roxos florindo enquanto suas copas ainda permanecem verdes. Para quem conhece o ciclo normal dos ipês, ver as flores aparecerem enquanto as folhas ainda estão verdes pode parecer confuso.
De acordo com a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), o mais comum é que os ipês-roxos floresçam entre os meses de maio e agosto, logo após perderem as folhas. Esse processo de perda gradual da folhagem, conhecido como senescência, costuma acontecer com o fim do período chuvoso. Nessa fase, a planta redireciona os nutrientes das folhas para outras estruturas, como brotos, raízes e flores. As folhas secam, caem e então a florada acontece.
Mas neste ano, o ciclo mudou um pouco. Algumas árvores estão florindo com folhas ainda verdes. A Novacap explica que fatores como luz do dia, temperatura, umidade do ar, disponibilidade de água e nutrientes no solo funcionam como marcadores ambientais que determinam o início da floração. Quando esses elementos variam de maneira significativa, o ciclo das árvores também pode mudar. “Em alguns anos, esses fatores variam de tal maneira que podem levar a árvore a florir e frutificar por mais vezes ao ano, mantendo folhas, flores e até os frutos (síliquas) ao mesmo tempo”, informou a equipe técnica da Novacap.
Apesar de ser um comportamento atípico, a floração com folhas ainda verdes não traz riscos às árvores. Na verdade, pode até representar uma vantagem. “Ao florir duas vezes, dobra-se a capacidade de frutificar, o que aumenta a chance de que as sementes do ipê-roxo tenham acesso a condições ambientais, principalmente pelas chuvas, e assim perpetuar a espécie”, destacou a companhia.

Além do ipê-roxo, o Distrito Federal é arborizado com outras três variedades: o ipê-rosa, que floresce entre junho e julho; o ipê-amarelo, de agosto a setembro; e o ipê-branco, geralmente entre agosto e outubro. Esses calendários, no entanto, também podem sofrer alterações conforme o comportamento do clima.
Entre 2016 e 2023, a Novacap plantou 93.813 mudas de ipês em diferentes regiões administrativas do DF. A contagem por cores, no entanto, não é possível, já que parte dos plantios também é feita por iniciativa da própria população. Segundo a empresa, o programa de arborização é contínuo, mas a quantidade anual de mudas depende da produção dos viveiros da companhia, que varia conforme as condições e recursos disponíveis em cada ano. A Novacap esclarece ainda que não houve nenhum tipo de manejo ou intervenção recente que justificasse essa alteração no ciclo das árvores. Ou seja, o fenômeno observado é natural, e é a própria natureza reagindo às mudanças do ambiente.
Um símbolo do DF

Além de embelezar as ruas e parques do Distrito Federal, os ipês têm um papel relevante na conservação da biodiversidade e na educação ambiental. A bióloga Marina Neves Delgado, mestre em botânica, destaca que o ipê-roxo, cuja nomenclatura científica atual é “Handroanthus impetiginosus”, é uma espécie nativa de ampla distribuição geográfica, presente em todas as regiões do Brasil, com exceção do Sul. “Não há problema quanto à sua conservação, pois ele ocorre também em áreas antrópicas e tem fácil germinação”, explica.
Segundo Marina, essa árvore tão popular no Distrito Federal tem valor ecológico, paisagístico e também simbólico. “O ipê-roxo funciona como uma espécie bandeira, por ser carismático, gerar empatia e mobilizar as pessoas a quererem conservar a natureza”, diz. Ela ressalta ainda que, por chamar atenção durante a floração e ser nativa do Brasil, a espécie ajuda a despertar o interesse das pessoas pela flora brasileira. Além disso, sua beleza e resistência fazem com que seja amplamente utilizada na arborização urbana e na recuperação de áreas degradadas, já que é de fácil cultivo e adaptação. “Para algumas espécies do Cerrado que perdem as folhas em certas épocas do ano, chamadas decíduas, o surgimento de novas folhas depende do aumento da temperatura e da luz do dia. Como houve uma queda brusca no frio seguida de calor, esse contraste estimulou o crescimento das folhas. Por isso, vemos diferentes fases do ciclo da planta, como folhas e flores, acontecendo ao mesmo tempo”, explicou a professora.
De acordo com Priscila Rosa, superintendente da Gestão do Conhecimento do Jardim Botânico de Brasília, a mudança observada nos ipês-roxos, que estão florescendo ainda com folhas verdes, “não é considerada uma anomalia, embora não seja o comportamento padrão”. Ela explica que “Brasília teve um mês de abril de precipitação abaixo da média e a diminuição da umidade do ar pode ter levado alguns indivíduos de ipê-roxo a florescerem sem o tempo hábil de perder as folhas, como esperado”.
Sobre os fatores ambientais que influenciam o ciclo de floração, Priscila destaca que “o ponto de partida para a floração é, realmente, o estresse hídrico. Assim que as chuvas abrandam e a umidade relativa do ar diminui, os indivíduos de ipê começam a liberar as folhas para iniciar a floração. Dessa forma, as flores na inflorescência ficam mais expostas, facilitando a polinização.”
Apesar do contraste visual que chama atenção, a floração fora do padrão também pode gerar impactos ecológicos. De acordo com a especialista, o maior problema está na “falta de sincronia com a polinização”. Segundo ela, “muitas espécies de polinizadores também são sazonais, e uma diminuição do agente polinizador pode levar à formação de poucos frutos, o que, a longo prazo, pode acarretar em problemas para a dispersão da espécie”. O fruto do ipê, ela explica, é seco, e suas sementes são levadas pelo vento. Além disso, Priscila destaca que os ipês costumam florescer durante a estação seca, justamente quando há escassez de recursos como pólen, néctar e óleos essenciais, substâncias usadas pelos polinizadores para alimentação e construção de ninhos. “Uma floração fora de época pode resultar em uma diminuição no ciclo de vida dos polinizadores também”, afirma.